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Rodrigo Morais

Comunicar com Design

Rodrigo Morais, Professor Universitário na Licenciatura, Pós-Graduação e Mestrado nas disciplinas de Design, direção de arte, semiótica, criação publicitária, produção gráfica, computação gráfica e editorial, apresenta o seu testemunho com o propósito de corroborar e atribuir um maior significado à área do Design e da Publicidade, na vida contemporânea. 

A incógnita do futuro profissional não se assume como uma preocupação para Ricardo Morais. O desenvolvimento dos seus interesses, impulsionados pelas emoções, conduziu-o à área do Design e, posteriormente, à publicidade, a área que o apaixona até aos dias de hoje. 

Ricardo Morais procura partilhar a forte relação existente entre o Design, a Comunicação e a Publicidade, contribuindo com  “uma visão mais formada” que tem vindo a adquirir, no decorrer do tempo. 

O seu interesse pela área do design e publicidade surgiu em que altura?

Surgiu cedo, quando tinha dezasseis anos. Foi por volta daquele momento em que nos perguntamos: “O que é que eu vou fazer?” e “O que é que eu quero?”. No início estava muito perdido. Quando somos mais novos temos sempre aquele pensamento de que vamos para a faculdade e aquilo é que vai definir o nosso futuro, então, fui atrás dos meus interesses. Foi nessa altura que conheci a área do Design. No momento em que escolhi o Design, ainda não sabia quais as áreas em que o mesmo poderia ser aplicado. Admito só ter um envolvimento emocional com a área. Quando comecei a estudar, percebi que o Design poderia ser aplicado em muitos setores e que poderia trabalhar design em diferentes áreas. E assim conheci a Publicidade. Percebi que podia juntar as duas áreas.

 

Porque é que a semiótica, também, despertou o seu interesse?

Foi por acaso. Na licenciatura, estudei semiótica, mas foi uma cadeira na qual passei a maior parte do tempo no bar. Nunca percebi o que era. Na pós-graduação, voltei a ter a seguinte disciplina, orientada por um professor incrível. Interessei-me pela cadeira pela forma como o professor dava as aulas e nos cativava com o seu conhecimento e modo de ensino. A semiótica veio de brinde. Tudo começou a fazer muito sentido para mim. Iniciei as minhas investigações pela área e posso dizer que as mesmas me levaram a conhecer muito do mundo. O grande presente que ganhei com a semiótica foi o poder viajar quase pelo mundo inteiro, atrás de respostas às minhas perguntas de investigação. 

 

No decorrer da sua formação académica, sente que os cursos corresponderam às suas expectativas?

Sim. Eu tirei uma licenciatura em Design, durante quatro anos e, no início, percebi que queria utilizar aquele conhecimento na área da Publicidade. Ao longo desses anos, inscrevi-me em alguns cursos, de curta duração, relacionados com a Publicidade, para começar a compreender melhor a área. Depois da licenciatura, tirei uma pós-graduação em Comunicação Publicitária e Marketing e foi nessa altura que comecei a especializar-me em Publicidade.

 

À época, conseguia relacionar os conhecimentos de design adquiridos com as novidades, ainda muitas por descobrir, oferecidas pela publicidade?

Agora tenho uma visão mais formada sobre o tema. Naquela época, a minha visão resumia-se a juntar o design gráfico à comunicação publicitária, criando uma relação direta. Hoje, a trabalhar e a ser professor na área, consigo perceber que o Design pode estar interligado a diferentes áreas da Publicidade. Não só à criação, mas ao atendimento, ao planeamento e aos media.

 

Há algum conselho que mantenha presente em si, desde essa altura?

Há um conselho de que me recordo muito bem que coloco em prática ainda hoje e que dou aos meus alunos/às minhas alunas. A questão da experiência de vida, não só a do trabalho. Os meus professores diziam que quando se trabalha em Design ou em Publicidade trabalha-se, sobretudo, com Comunicação e que a grande matéria-prima da Comunicação é a linguagem. Eles diziam-nos que só conhecemos realmente a linguagem quando experienciamos a vida. Então, o sucesso surge das experiências de vida e não só do que se aprende na faculdade.

 

Com que empresas já colaborou na área do design publicitário?

Já trabalhei com a Vans, com a Nestlé, com a Disney, com grandes marcas, Lollapalooza, um festival americano, dos maiores do mundo. 

 

Qual foi o trabalho que lhe deu mais gosto realizar?

Gostei muito de trabalhar com a Vans. Existia uma coisa muito boa, além de trabalhar para a marca, eu revia-me na mesma. Era tanto colaborador como público-alvo da marca. Trabalhei com marcas como a Disney e a Fashion Week de São Paulo, que apesar de serem vistas como grandes marcas, para mim foram trabalhos muito aborrecidos, demasiado técnicos. A Disney, por exemplo, tem um nível de criação muito pequeno. Existem demasiadas regras do que se pode ou não fazer, que nos impedem de fazer um trabalho criativo. Por vezes, sentia que a minha imaginação era limitada por essas regras todas.

 

Por outro lado, qual foi o trabalho que mais exigiu de si?

Lollapalooza foi um trabalho que exigia muita coisa ao mesmo tempo, apesar de ser uma grande marca e um ótimo trabalho. Ver um festival quando está a acontecer é muito fácil, mas pensar em todos os pontos necessários para que o mesmo exista é muito difícil.

Desenvolvi a capacidade de conseguir fazer tudo, ao mesmo tempo. Uma capacidade de organização. Aqui em Portugal, as agências de publicidade são, geralmente, pequenas. Deste modo, têm uma estrutura organizada e direcionada para clientes, também, pequenos. Por outro lado, quando a agência de Publicidade é maior, a estrutura tende a aumentar em conjunto. Deste modo, a mesma divide-se, por norma, em quatro níveis: o atendimento, o planeamento, a criação e os media. As pessoas costumam especializar-se, apenas, numa das seguintes áreas e os projetos de grande dimensão alertam-nos para a necessidade de sermos conhecedores de um pouco de todas. Claro que uma pessoa apresenta, sempre, uma área de especialização, mas é necessário compreender que essa especialização tem necessidade de se conectar com as outras. Para tal, é necessário ter um mínimo de conhecimento sobre cada área. O maior desafio dos grandes projetos foi mesmo a organização. Tive de fazer um esforço para compreender a ligação, a comunicação e a resposta adequada entre os diversos departamentos. 

 

Com o que é que se identificou enquanto colaborador da empresa Vans?

A forma de comunicação utilizada pela marca, para com o público, é conseguida pelo lifestyle. Na realidade, optam por uma via muito mais institucional do que de produto. O que eu e a minha equipa da Vans procurávamos, ao realizar cada campanha publicitária, era transmitir a realidade: “o mundo Vans”. Ultrapassámos o propósito de realizar apenas uma venda promocional de algum produto ou serviço. Criar essas realidades, dava-me muito prazer e eram onde eu queria viver. 

 

O facto de se identificar não facilitou o trabalho?

Neste caso, sim. Este facto é algo que nunca recomendo a alguém. Eu digo muitas vezes, especialmente aos meus alunos, para terem cuidado na escolha de marcas com as quais querem trabalhar, nas quais sabem que se apresentam como o seu público-alvo. Isso pode gerar muitos problemas. Temos de saber separar muito bem: “Aqui, eu sou publicitário da marca. Aqui, eu sou público-alvo da marca.” Se confundirmos estas coisas, no momento de desenvolvimento de uma campanha, tudo aquilo que sabemos sobre o público-alvo assume-se e iguala-se a tudo aquilo que sabemos sobre nós mesmos. Este acontecimento pode tornar-se, portanto, inadequado. 

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O Design da Publicidade 

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O Design da Publicidade contribui para a sociedade? De que maneira?

Temos de ter cuidado ao falarmos de design para a publicidade. O comum é pensar sobre Design, de forma aplicada. O importante é descartar essa conceção e ver o Design como uma linguagem que se pode aplicar a diferentes ferramentas. Um designer e um publicitário têm muitas armas nas mãos. Tudo depende de qual é a luta de cada um, se pretende ser utilizada para o bem ou para o mal. A história da publicidade dos anos 80 ou dos anos 90 apresenta um caráter vil. Hoje, a minha tentativa é fazer com que haja uma quebra do mal. Pretendo que se pare de ver a publicidade como uma venda de algo e compreendê-la como algo capaz de criar realidades. As campanhas publicitárias desenvolvem realidades com o propósito do público as viver, para alguém se identificar. A função dos designers publicitários é, principalmente, compreenderem as realidades que pretendem criar. A criação destas realidades pode influenciar o mundo e contribuir para mudanças na justiça, na vida social, na política, na economia... 

 

Quais são as peculiaridades que podem atribuir sucesso a uma publicidade?

O sucesso de uma campanha acontece quando se consegue criar uma realidade em que o público-alvo se sente confortável em viver.

 

Que atributos devem ter quem as elabora?

Viver. É o meu único conselho. Por vezes, pensamos em atributos muito técnicos, como o saber trabalhar em Photoshop, no Illustrator ou no InDesign. Mas estas ferramentas têm uma coisa em comum: são todas “apertar botão”. “Apertar botão” qualquer pessoa aperta. Se não se souber o que se quer, se não existir experiência de vida, se não se adquire outras linguagens, de nada serve. O sucesso só chega a quem está recetivo a conhecer o novo, a cada dia, sem julgar. Os profissionais desta área têm de sair de casa e aproveitar o máximo dos elementos exteriores. 

 

A Semiótica é um complemento positivo para o trabalho na área do Design? 

A semiótica é a minha vida. Eu respiro semiótica 24h por dia. Se me perguntar se a semiótica é importante para a publicidade ou para jardinagem eu vou dizer que é.

 

Em que aspetos?

A Semiótica é a filosofia que se dedica a estudar todos os tipos de linguagens. Se pararmos para pensar que qualquer ação humana exige linguagem, a filosofia que estuda a mesma vai ser essencial para qualquer área.

 

O que é que o mundo deveria saber sobre o Design e a Publicidade?

O Design não é deixar as coisas bonitas. As pessoas têm muito a visão de que os designer apenas devem ser chamados para deixar os projetos esteticamente bonitos. Essa não é a função do designer. A função é conseguir usar linguagens para atingir as mensagens que se pretende e conseguir ouvir e comunicar com outras pessoas. A forma como é aplicada é que pode ser diferente, através de um produto, de uma revista, de anúncios publicitários, mas o Design é, essencialmente, linguagem. A função da Publicidade não é vender coisas. Os publicitários não são vendedores, eles criam realidades. Era assim que eu gostava que as pessoas vissem. 

 

O que se pode procurar nos designers do futuro?

Consciência social, é o principal.

 

Há falta dessa consciência social?

Muito, muito mesmo. Penso que o principal fator em falta seja a autoridade. Nos dias de hoje, as pessoas falam muito sobre a empatia. Por vezes, parece que a palavra virou moda. Empatia é uma palavra muito triste. Assume-se como um olhar para o outro através do seu reportório. O outro é, maioritariamente, percecionado, de forma passageira, como o “coitadinho”. A autoridade, por sua vez, tenta olhar para o outro através do reportório do mesmo. Isso é muito difícil. Quando se compreende a dor ou a felicidade do outro, a partir do outro, alcança-se uma proximidade maior e mais humana com os indivíduos. Eu sinto falta disso. As pessoas que trabalham nesta área, por vezes, esquecem-se que dependem dos outros. O Design e a Publicidade são sempre formas de Comunicação com e para alguém. Torna-se necessário saber comunicar com as pessoas, tocar na sua existência. 

Uma Publicidade, por exemplo, deve ser realizada por muitas pessoas para que não seja limitada ao universo de uma pessoa singular. 

 

O Design e a Publicidade, como tantas outras áreas, têm de se adaptar aos novos tempos e às novas necessidades geracionais? De que maneira?

Sem dúvida. A inteligência artificial, por exemplo, tem vindo a gerar muita discussão entre as pessoas. Discutem-nas como se fosse o apocalipse, pensam que a mesma vem substituir o trabalho dos designers e dos publicitários. Sinto que falta compreender a evolução das coisas. A inteligência artificial, por exemplo, é só mais uma ferramenta. As pessoas precisam de começar a compreender a diversidade, tanto em termos tecnológicos como sociais. 

 

Quais são os maiores desafios do Design?

A estagnação. Existe um grande problema com os publicitários e com os designers no qual me incluo, o ego. Dificilmente se encontra um publicitário ou um designer humilde e sempre de bom humor. O nosso ego tende a estar no topo e quanto mais em cima se encontra mais estagnação existe. A evolução passa pelos nossos olhos e nós não a vemos. Falta um pouco de humildade.

 

O que gostaria de responder a essas pessoas?

Continuem a acreditar. Aquilo que eu faço é diferente mas, deste modo, até cria um certo mistério. 

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